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TJGO - Tribunal de Justiça do Estado de Goiás

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UMA HOMENAGEM A RIO VERDE

quarta-feira, 29 de junho de 2011

JORGE HAGE


Se aprovada essa emenda, o nosso Judiciário chegará ao padrão em que as garantias processuais do réu não são biombos para a impunidade

Todos os sistemas judiciários adotam meios para a correção de erros de suas decisões.
Da busca do equilíbrio entre os valores da celeridade e da solução mais perfeita é que resultarão, em cada sistema, o número e as espécies de tais instrumentos. A doutrina costuma agrupá-los em duas categorias: os recursos e as ações autônomas de impugnação. Há países que privilegiam aqueles; outros preferem estas. O Brasil adota um número imenso de recursos e poucas ações de impugnação.
Qual a diferença essencial? É que os recursos atacam a decisão antes do trânsito em julgado, ou seja, prolongam a duração do processo; já as ações servem para rescindi-la após o trânsito. Mas ambos são instrumentos de correção das decisões e, assim, servem aos mesmos propósitos de garantir a não perpetuação de injustiça ou de nulidade.
Qual deveria ser, então, o critério para optar por uma ou outra dessas espécies? Dentre outros, a maior ou menor probabilidade de ocorrência de equívocos naquela altura do processo. Se elevada, vale a pena sacrificar a rapidez do desfecho, vale dizer, deve-se optar pelos recursos -afasta-se aqui a distinção quanto ao chamado "efeito suspensivo", tendo em vista tendência do STF, que a esvaziou.
Ao contrário, se baixa a probabilidade de erro e consequente reforma, deve-se optar pelas ações autônomas, que não impedem o imediato cumprimento da decisão.
No caso do Brasil, campeão mundial em recursos, é óbvio que, após uma decisão de segunda instância (tribunais), já tendo sido possível o uso de inúmeros apelos, muito mais razoável seria cumprir-se a decisão e depois, se fosse o caso, usar uma ação autônoma para impugnar essa decisão final.
Isso vem a propósito da PEC baseada em oportuna sugestão da autoridade mais legitimada a lançá-la -o presidente do STF, ministro Cezar Peluso. A proposta é tão simples na aparência quanto profunda em seu alcance. Ela substitui os recursos especial e extraordinário, que vêm fazendo o STJ e o STF serem usados como 3ª e 4ª instâncias (não previstas aqui nem alhures), por ações rescisórias.
Essa mudança significa que os processos, hoje intermináveis quando se trata de condenar réus poderosos ou endinheirados, se concluiriam nos Tribunais de Justiça ou nos Tribunais Regionais Federais (2ª instância), como ocorre na maioria dos países civilizados.
Reservar-se-ia a esses réus, ainda, uma possibilidade de corrigir eventual injustiça ou erro processual por meio da ação rescisória. Só que esta, como dito antes, é processo posterior, que em nada impede a execução da sentença anterior.
É tão evidente a vantagem dessa mudança que só mesmo o interesse de quem ganha muito com a atual enxurrada de recursos pode explicar a virulenta reação à PEC.
O índice de reforma das decisões criminais no STF é baixíssimo, o que mostra o acerto das decisões dos tribunais de 2º grau.
A reação, pois, nada tem a ver com real preocupação com as garantias do contraditório e do "duplo" (!) grau de jurisdição, já sobejamente atendidas quando tais processos chegam à decisão nesses tribunais. Não é por ofensa à ampla defesa que nosso país se expõe à crítica internacional, mas, sim, por dificilmente conseguir colocar na cadeia os corruptos e os criminosos da alta finança.
Se aprovada essa emenda, o Brasil aproximará seu sistema judiciário dos padrões de países em que as garantias processuais do réu não são biombos para a impunidade.

* Artigo publicado na Folha de São Paulo.


JORGE HAGE, mestre em direito público pela UnB (Universidade de Brasília) e em administração pública pela Universidade da Califórnia (EUA), juiz de direito aposentado, é ministro-chefe da Controladoria-Geral da União.

quarta-feira, 22 de junho de 2011

 

Segue abaixo interessante artigo de autoria de Dr. Osvaldo de Castro*

Vale a leitura e reflexão.

Homoafetivo

Realmente, eu tento vos transmitir ideias extravagantes e saberes estranhos. Estou convencido, pela minha própria experiência, que não há nada de mais excitante e de mais radical do que ser posto perante coisas novas, inabituais, que nos despertam da modorra do senso comum, que abale o que é convencional, que convidem à dúvida e à crítica daquilo que está estabelecido. (…) Não faço isso para vos escandalizar. (…) Mas para vos habituar a exigir e a cultivar um saber esclarecido, plural, complexo, crítico, isto é, para vos habituar a ser exigentes… Tenho o dever de vos exigir que, perante o mundo, não sejam lorpas...” António Manuel Hespanha

Sou favorável à decisão tomada, unanimemente, pelo Supremo Tribunal Federal (STF) em relação à união homoafetiva, mas li, com perplexidade, a notícia “Decisão contra união homoafetiva causa perplexidade”, publicada, em 20 de junho de 2011, no site “consultor jurídico”, assinada por Rodrigo Haidar.

As considerações que farei em torno da situação jurídica criada a partir da decisão do juiz Jeronymo Pedro Villas Boas, da 1ª Vara da Fazenda Pública de Goiânia, que cancelou a declaração de união estável de um casal homossexual de Goiás, na sexta-feira (17/6), cumprem muito mais o objetivo de questionarem certo modo de pensar o direito do que de analisarem o mérito envolvido na questão.

Segundo a notícia, o ministro Marco Aurélio teria dito à revista Consultor Jurídico que a decisão do juiz Jeronymo Pedro Villas Boas “certamente será derrubada pelo Supremo Tribunal Federal, se o casal recorrer à Corte.”

Chega a ser difícil acreditar que um ministro do STF tenha coragem de afirmar, peremptoriamente, que uma decisão de primeiro grau “certamente será derrubada pelo Supremo Tribunal Federal, se o casal recorrer à Corte.” [e olhe que não se trata de ministro que possa ser, sem maiores contestações, situado entre os sandeus do STF!] Como é sabido, vários posicionamentos do STF são alterados. Não raro, de um julgamento para o outro, ministros mudam completamente o entendimento de determinadas questões.

O ministro poderia dizer que a decisão do juiz Villas Boas poderá ser derrubada pelo STF, se o casal recorrer à corte. No máximo, em exercício pleno de seu achismo, falar que ela, provavelmente, será derrubada. Porém, jamais “certamente derrubada”. Quem afirmar isso inexoravelmente, correrá risco de errar. Tal previsão não passa de aposta. Pode até ser uma boa aposta, mas apenas uma aposta.

Há diversas mudanças de posicionamento dos ministros da magna corte do judiciário brasileiro. Mostrarei alguns casos apenas a título de ilustração e sem a menor pretensão exauriente.

Em 04 de março de 2010, o ministro Lewandowski, por exemplo, no meio de uma sessão de julgamento da AP 433 PR, alterou seu próprio voto. “Ministro Ricardo Lewandowski, Vossa Excelência mudou o voto?” (perguntou Ayres Britto) “Eu alterei o voto.” (respondeu Ricardo Lewandowski).

No dia 24 de setembro de 2010, por ocasião do julgamento do RE 630147, o ministro Celso de Mello disse uma frase que ilustra muito bem a deviniência do direito no STF: “nada impedirá que... o tribunal resolva deliberar de outra forma.” “Claro! Não há problema nenhum! O tribunal poderá até, na próxima sessão, tomar outra decisão.” [respondeu Cezar Peluso, girando insistentemente a mão em nítido gesto indicativo de eventual alteração de entendimento]

No dia 9 de abril de 2007, o ministro Eros Grau, relator da ADI 2240 BA, modificou seu voto inicial, para acompanhar a divergência iniciada pelo ministro Gilmar Mendes: “assim, sou arrastado a evoluir e acompanhar o voto do ministro Gilmar Mendes. (…) Pouparei a Corte da reprodução dos meus argumentos, que foram tão bem excedidos pelo ministro Gilmar Mendes.” Tanto é que na ementa se pode ler: “O Tribunal, à unanimidade, julgou procedente a ação direta, e, por maioria, ao não pronunciar a nulidade do ato impugnado, manteve sua vigência pelo prazo de 24 (vinte e quatro) meses até que o legislador estadual estabeleça novo regramento, nos termos do voto reajustado do Senhor Ministro Eros Grau (Relator) e do voto-vista do Senhor Ministro Gilmar Mendes, vencido, nesse ponto, o Senhor Ministro Marco Aurélio, que declarava a nulidade do ato questionado.”

Quem analisar o julgamento da AC 33 PR e do RE 389808 PR verá diversas alterações de posicionamentos dos ministros. A mudança de posição de Gilmar Menes, votando em sentido contrário ao que tinha votado. O reajuste de votos de Dias Toffoli e Cármen Lúcia em relação à anterior negativa de antecipação de tutela, ante o pedido de vista de Ellen Gracie. Não bastasse, a alteração em relação ao pedido de vista de Ellen Gracie, que ficou em dúvidas no que tangia à sua posição anterior, e que, depois de alguns minutos, reconsiderou seu desejo de pedir vista. Por final, um resultado totalmente oposto ao anterior, em razão da da mudança de posicionamento de Gilmar Mendes e da alteração de quórum, devido a ausência, nessa sessão, de Joaquim Barbosa.

Na dia 27 de abril, os ministros do STF decidiram dois mandados de segurança (30260 e 30272) questionando a diplomação de suplentes de deputados federais [se deveriam ser chamados de acordo com a ordem da coligação ou do partido pelo qual concorreram nas eleições]. Os dois mandados foram denegados. Com isso, a Corte determinou que a vaga pertence a suplente da coligação e não do partido. Em dezembro, no MS 29988, o STF havia decidido, por placar de 5x4, que ao partido pertencia o mandato do suplente.

Somaram-se à minoria, convertida em maioria, as posições de Ellen Gracie e Luiz Fux [que não haviam votado no MS 29988]. Alteraram o posicionamento, em alguns meses, os ministros Joaquim Barbosa, Cézar Peluso, Gilmar Mendes e a relatora, Cármen Lúcia, que, liminarmente, tinha decidido, de modo oposto à sua decisão final, estes mandados de segurança. [Conferir decisão liminar da ministra Cármen Lúcia no MS 30260].

Nada mais nada menos que 4 ministros modificaram suas posições, além de dois ministros reconfigurarem o quórum anterior, gerando uma “nova interferência” no direito, digamos assim, de 6 ministros do STF.

Conforme o ministro Marco Aurélio, ao equipar as relações entre pessoas do mesmo sexo às uniões estáveis entre homens e mulheres, o STF não reescreveu a Constituição Federal, como afirmam muito dos críticos da decisão. Marco Aurélio acaba confundido constituição com legislação constitucional. O que se pode “reescrever” é a legislação constitucional ou infraconstitucional. Constituição é construção, é algo em ininterrupta formação. Decisões do STF constituem apenas um tijolo a mais nessa contínua construção. E na permanente constituição (construção) esse tijolo poderá ser, indefinidamente, reformado, retirado e/ou recolocado.

O Supremo Tribunal Federal, segundo Marco Aurélio, “interpretou a Constituição”. O juiz Villas Boas também interpretou a constituição e ele pode o fazer em pleno exercício de sua função de controle difuso de constitucionalidade. O ministro diz ainda que “a decisão [do STF] repercute além dos muros do próprio processo”. As leis também repercutem “além dos muros” das legislações e, nem por isso, estão infensas ao controle de constitucionalidade difuso por parte dos juízes de primeira instância. Marco Aurélio também lembrou que a decisão do STF sobre união estável homoafetiva tem eficácia erga omnes. Ou seja, se aplica a todos, indistintamente. Grande parte das leis possui eficácia erga omnes e se aplica a todos, indistintamente. Nem por isso os juízes de primeiro grau de jurisdição estão impedidos de exercer o controle de constitucionalidade delas.

O ministro Marco Aurélio ressaltou que a decisão do Supremo em relação à matéria foi unânime. Em termos de efeitos práticos das decisão, não parece haver diferenças entre decisões unânimes ou por maioria. Ele pergunta: “Será que todos nós erramos? Será que esse juiz é o dono da verdade?”. Em primeiro lugar, não cabe a juízes errar ou acertar. Mesmo porque não há um “errômetro”, para mensurar acertos e erros de uma decisão jurídica. Cabe aos juízes resolver as demandas judiciais. Mas raciocinando com os termos usados por Marco Aurélio, poder-se-ia questionar: “Será que o juiz Villas Boas errou? Será que os ministros do STF são os donos da verdade?” Por qual razão os ministros do STF poderiam ser “os donos da verdade” e o juiz Villas Boas não? Por que o juiz Villas Boas poderia estar errado e o STF não? As indagações não parariam por ai: quando os ministros do STF “erraram”, no julgamento do MS 29988 ou no julgamento dos MSs 30260 e 30272? Quando o STF errou, no julgamento do AP 33 ou no julgamento do RE 389808?

Apesar das críticas à posição do juiz, Marco Aurélio acredita que ele não deve ser punido: “Não cabe a punição. O que cabe é utilizar o remédio jurídico [no caso, a Reclamação] adequado para rever a decisão”. Para ele, não é possível “compreender o ofício judicante sem independência”. Nesse ponto, a crença de Marco Aurélio parece plausível. Por meio da reclamação, o STF decidiria se reveria a decisão do juiz Villas Boas. [A corregedora de Justiça de GO reviu a decisão dele]

Na opinião do ministro, a decisão do juiz de Goiás é ruim para o Judiciário, porque o “cidadão leigo não entende esses descompassos, que geram um contexto de insegurança jurídica”. Marco Aurélio tem todo direito de opinar sobre a decisão do juiz Villas Boas e de reputá-la ruim. Por outro lado, contextos de insegurança jurídica, é bom lembrar, são próprios do direito.

Sabiamente, Marco Aurélio defende que é necessário preservar a independência do juiz, mesmo diante de seus erros. Como ressaltado, não há um “errômetro”, para saber se ele errou ou se Marco Aurélio erra ao dizer que ele errou. Não é Marco Aurélio quem define o certo e o errado em relação ao direito. O juiz Villas boas agiu de acordo com “a ciência e consciência” dele, assim como os ministros do STF agiram em conformidade com a “ciência e consciência” deles.

A notícia informa que Marco Aurélio não vê competência no Conselho Nacional de Justiça para punir o juiz. Como a decisão do juiz goiano não foi um ato administrativo, mas judicial [será?], uma possível punição extrapolaria as atribuição do CNJ que é “um órgão estritamente administrativo”. Parece acertada a opinião do ministro de que ele não deve ser punido, mas será que o ato foi, realmente, judicial? Ato jurídico aparenta ser, mas judicial tenho lá minhas dúvidas, embora tal discussão em nada altere a reflexão em curso.

Em fevereiro passado, continua a reportagem em análise, o ministro Marco Aurélio suspendeu liminarmente a decisão do CNJ que afastou de suas atividades, por dois anos, o juiz Edilson Rodrigues. O magistrado proferiu decisões contrárias à Lei Maria da Penha e, nas decisões, usou termos discriminatórios em relação às mulheres. Para o ministro, o afastamento do juiz foi inadequado “porque as considerações tecidas o foram de forma abstrata, sem se individualizar este ou aquele cidadão”. Aqui, mais uma vez, o ministro aparenta ter caminhado em estrada pavimentada.

Na ocasião, ainda segundo a notícia em exame, Marco Aurélio também se baseou na independência do juiz em matéria jurisdicional para suspender a decisão do CNJ. Na decisão liminar, o ministro ressaltou que “entre o excesso de linguagem e a postura que vise inibi-lo, há de ficar-se com o primeiro, pois existem meios adequados à correção”.

No Supremo Tribunal Federal, prevaleceu, não faz muito tempo, o posicionamento no sentido de que era constitucional a vedação à forma progressiva de cumprimento de pena, conforme decorre do disposto no art. 2º, § 1º, da Lei 8.072/90. São diversas as decisões em que o STF considerou constitucional o § 1º , do art. 2º, da Lei 8.072/90, isto é, o cumprimento integral da pena em regime fechado, no caso dos crimes hediondos. [HC 69.657-SP, HC 69.603-SP, HC 69.377-MG, HC 75.634-SP, HC 69.657 SP, HC 81.288- SC, entre outros]

A situação atual, entretanto, é diametralmente oposta. A partir do HC 82.959/SP, o STF que, até então, considerava o § 1º, art. 2º, da Lei 8.072/90 constitucional, passou a considerá-lo inconstitucional.

Resta a perplexidade de um questionamento que não pode deixar de ser feito. A decisão do juiz de GO não tira a prerrogativa do STF de, em caso de reclamação poder revê-la ou, eventualmente, mudando de posição, confirmá-la. Não teria a menor pertinência jurídica afirmar que o STF reveria seu posicionamento e confirmaria a decisão do magistrado de primeiro grau. Por outro lado, com igual razão, não teria a menor pertinência afirmar que a decisão dele “certamente será derrubada pelo Supremo Tribunal Federal, se o casal recorrer à Corte.”, pois o mesmo STF que considerou constitucional o § 1º, art. 2º, da Lei 8.072/90 e, depois, o considerou inconstitucional, poderia considerar constitucional a união estável entre pessoas do mesmo sexo e, depois, deixar de assim considerar... , publicado

 

Publicado originariamente no blog  www.osvaldodecastro.blogspot.com/ em 21 de junho de 2011.

sábado, 18 de junho de 2011

Blog celular

Leitores, a partir de hoje o blog dispõe de versão própria para acesso via celular, iPhone, iPad (versão móvel).

quinta-feira, 16 de junho de 2011

Por Carolina Nabarro Munhoz Rossi

 

injustica

 

Meu filho mais velho, de sete anos, que recém descobriu os conceitos de justo e injusto, me perguntou se meu trabalho, como juíza, era “fazer Justiça”...

Podia dizer que sim e deixá-lo feliz, mas não queria dar qualquer resposta a uma pergunta que para ele era muito séria...

Pensei no meu trabalho como juíza de uma vara cível com quase 7000 processos em andamento.

O que faço no meu dia a dia? Recebo iniciais, despacho, faço audiências, sentencio.

Traduzindo para ele: as pessoas me trazem seus problemas, eu ouço, vejo quem tem razão e decido. Para isso, leio os documentos que me trazem, ouço as pessoas que sabem o que aconteceu, tento reconstruir a verdade por trás daquele problema, como um historiador, mas com menos tempo e menos recursos.

Além disso, as pessoas não podem vir e falar comigo por elas mesmas. Precisam da ajuda de um profissional, o advogado. Lembrei de uma frase usada em uma campanha antiga da OAB, sem advogado não se faz Justiça...

Nada é mais verdadeiro. É o advogado que traz o pedido da parte ao juiz na esfera cível, que tem que obedecer os prazos e fazer as provas, sob pena de não conseguir uma sentença favorável, ainda que a parte tivesse razão e na esfera penal, é ele quem vai defender o acusado, zelar pela sua liberdade, pela defesa dos seus direitos e pela sua defesa, ainda que ele seja culpado.

Fala-se que o juiz pode se contentar com a verdade formal no processo civil e que deve buscar a verdade real no processo penal, mas a verdade é a verdade, o que muda, a meu ver, é quanto o juiz pode se empenhar na reconstrução do que aconteceu. O quanto isso afeta sua possibilidade de sentenciar e dar uma sentença justa.

No cível, a sentença é justa se foi dada a oportunidade da verdade ser reconstruída, ainda que pouco se tenha descoberto em relação a ela, enquanto no criminal, ela será justa se realmente se descobrir o que aconteceu. Caso contrário, a solução será a absolvição.

Como juíza cível, decido conforme a verdade que as partes me permitem reconstruir no processo, mas nada mais do que isso.

Se as partes não me trazem os elementos necessários para fazer essa reconstrução, e isso é feito através dos pedidos de seus advogados, minhas mãos ficam amaradas.

A sentença, que é a lei que vai passar a valer para aquele caso concreto, será um reflexo do que me foi dito. Do que está nos autos.

Ela será justa se forem respeitadas as regras que a lei estabelece, se as garantias constitucionais foram preservadas, ou seja, se a cada parte for dada a oportunidade de falar e produzir as provas que forem cabíveis (não há o direito a retardar o julgamento com provas desnecessárias, que fique claro!), e se ao final, a sentença trouxer a conclusão a que o juiz chegou e as razões pela qual chegou a essa conclusão. Em outras palavras, qual a verdade no caso concreto. Qual a regra que passará a valer para aquelas pessoas naquele caso. Quem tem razão e porque.

Mas dar uma sentença justa é fazer justiça?

A pessoa que traz seu problema para que um juiz de direito lhe diga se ela tem ou não razão certamente espera que se faça justiça. Assim como quem foi acionado e acredita que a razão é dele, espera uma sentença que lhe favoreça e lhe faça justiça.

Quando um crime é cometido, a sociedade espera que o juiz puna o culpado e se faça justiça.

Se um inocente é acusado, igualmente espera ser absolvido, fazendo-se justiça.

Todos esperam por Justiça e há a imagem do Poder Judiciário como aquele que vai concretizar esse ideal.

Respondo ao meu filho dizendo que adoraria que meu trabalho resgatasse a Justiça que se perdeu no caso concreto, mas que não há conceito mais subjetivo do que o conceito de Justiça e que muitas vezes, aquele que se diz injustiçado, na realidade é quem pratica a injustiça, sem o perceber e que geralmente, meu trabalho envolve dizer a essa pessoa que ela está equivocada e para ela, sou injusta.

Digo que muitas vezes não tenho como saber o que realmente aconteceu para decidir quem tem direito e que se a pessoa não me traz elementos para ver que ela tem razão, posso decidir da forma correta, de acordo com a lei, mas sem restabelecer a verdade, o que talvez não seja justo.

Depois de perguntar se é como quando ele e os irmãos brigam e cada um diz que a culpa é do outro, ele me olha com aquela sabedoria que só se tem aos 7 anos e diz: “Acho que sempre alguém fica chateado com você...Como é difícil fazer Justiça, hem?”

Filho, ninguém disse que seria fácil...

CAROLINA NABARRO MUNHOZ ROSSI

JUÍZA DE DIREITO E MÃE

Artigo publicado originariamente no site www.judexquovadis.blogspot.com

segunda-feira, 6 de junho de 2011

 

Por Cezar Peluso        

Minha proposta de emenda constitucional conhecida como PEC dos Recursos ataca frontalmente dois dos mais graves, se não os dois mais graves problemas do sistema judicial brasileiro: a lentidão dos processos e a impunidade. Para tanto, altera a  Constituição para acabar com a chamada “indústria dos recursos”, em que manobras protelatórias retardam o andamento dos processos e impedem a execução das sentenças judiciais.
Em termos simples, o projeto estabelece o final do processo após duas decisões judiciais. O Brasil é o único país do mundo em que um processo pode percorrer quatro graus de jurisdição: juiz, tribunal local ou regional, tribunal superior e Supremo Tribunal Federal (STF). O sistema atual produz intoleráveis problemas, como a “eternização” dos processos, a sobrecarga do Judiciário e a morosidade da Justiça.
Pela PEC dos Recursos, os processos terminarão depois do julgamento do juiz de primeiro grau e do tribunal competente. Recursos às cortes superiores não impedirão a execução imediata das decisões dos tribunais estaduais e regionais. Tais decisões, aliás, em geral são mantidas pelas cortes superiores. Em 2010, por exemplo, o STF modificou as decisões dos tribunais inferiores em apenas 5% dos recursos que apreciou.
Os recursos continuarão existindo como hoje, e, em especial, o habeas corpus, remédio tradicional contra processos e prisões ilegais. Quem tiver certeza de seu direito continuará a recorrer aos tribunais superiores. Os recursos, no entanto, já não poderão ser usados para travar o bom andamento das ações judiciais. Aqueles que lucram com a lentidão da Justiça perderão um importante instrumento que agora atua em favor da impunidade e contra o bom funcionamento do sistema judicial.
A imprensa tem realçado o caso de um assassino confesso que, mediante uso de uma série infindável de recursos (mais de 20), retardou sua prisão por onze anos. Se a PEC dos Recursos já estivesse em vigor, esse réu estaria cumprindo sua pena há mais de cinco anos.
O projeto não interfere em nenhum dos direitos garantidos pela Constituição, como as liberdades individuais, o devido processo legal, a ampla defesa, o tratamento digno do réu. O que se veda é apenas a possibilidade da utilização dos recursos para perpetuar processos e evitar o cumprimento das decisões.
Com a PEC dos Recursos, as ações serão mais rápidas, e o sistema judiciário terá uma carga muito menor de processos. Além de combater a morosidade dos processos da minoria da população que busca o Judiciário para a solução de conflitos, a medida contribuirá também para ampliar o acesso à Justiça por parte da grande maioria da população, que hoje não recorre ao sistema judiciário porque sabe que a causa pode arrastar-se por anos.
Uma Justiça rápida e eficiente é do interesse de toda a sociedade. O Direito deve ser um instrumento eficaz de pacificação dos conflitos. Processos excessivamente longos criam insegurança jurídica. Por acelerar os feitos judiciais, a PEC dos Recursos aumenta a segurança jurídica e fortalece a Justiça, um dos mais essenciais dos serviços públicos.
A proposta atende também aos interesses dos profissionais do Direito. A medida reforça a responsabilidade dos juízes e dos tribunais locais e regionais, que terão seu desempenho avaliado mais de perto pela sociedade. Também interessa à grande maioria dos advogados, que vive da solução de litígios e não se vale de manobras protelatórias junto a tribunais superiores.
A Constituição brasileira assegura a todos a razoável duração e a celeridade da tramitação dos processos. A morosidade corrói a credibilidade da Justiça, favorece a impunidade e alimenta o descrédito no Estado de direito e na democracia. É disso que trata o debate sobre a PEC dos Recursos. A quem pode interessar a lentidão do sistema judicial?

Cesar Peluso é presidente do Supremo Tribunal Federal

domingo, 5 de junho de 2011

 

Por votação majoritária (7 votos a 2), o Plenário do Supremo Tribunal Federal (STF) decidiu, nesta quinta-feira (02), conceder a um jovem de Brasília o direito de voltar a pleitear de seu suposto pai a realização de exame de DNA, depois que um primeiro processo de investigação de paternidade foi extinto na Justiça de primeira instância do Distrito Federal. À época, o caso foi encerrado por falta de provas, pois a mãe do então menor não tinha condições de custear o exame.

Na decisão, tomada no julgamento do Recurso Extraordinário (RE) 363889, prevaleceu o voto do relator, ministro José Antônio Dias Toffoli. Segundo ele, o trânsito em julgado (decisão definitiva de que, em tese não cabe recurso, também chamada “coisa julgada”) do processo de investigação de paternidade ocorreu de modo irregular. Isso porque era dever do Estado custear o exame de DNA. Como não o fez, inviabilizou o exercício de um direito fundamental, que é o direito de uma pessoa conhecer suas origens. Assim, a coisa julgada não pode prevalecer sobre esse direito.

Para o relator, a questão envolve “pura e simplesmente reconhecer que houve evolução nos meios de prova” e que a defesa do acesso à informação sobre a paternidade deve ser protegida, pois se insere no conceito de direito da personalidade. O ministro Dias Toffoli afastou o princípio constitucional da dignidade humana para admitir a reabertura da ação, considerando ser desnecessário no caso. Ele apontou o risco de banalização desse conceito, com o uso indiscriminado em decisões judiciais.

De acordo com o ministro, a Justiça deve privilegiar “o direito indispensável à busca da verdade real, no contexto de se conferir preeminência ao direito geral da personalidade”.

O processo começou a ser julgado pelo Plenário do STF em 7 de abril deste ano, mas foi suspenso por um pedido de vista do ministro Luiz Fux. Naquela sessão de julgamento, o relator votou no sentido de dar provimento ao RE para afastar o óbice da coisa julgada  e determinar o seguimento do processo de investigação de paternidade na Justiça de primeiro grau do Distrito Federal, depois que o processo foi extinto pelo Tribunal de Justiça competente (TJDFT).

O caso

Uma ação de investigação de paternidade, cumulada com alimentos, proposta em 1989 pelo autor da ação, por intermédio de sua mãe, foi julgada improcedente, por insuficiência de provas. A defesa alega que a mãe, então beneficiária de assistência judiciária gratuita, não tinha condições financeiras de custear o exame de DNA para efeito de comprovação de paternidade.
Alega, também, que o suposto pai não negou a paternidade. E lembra que o juiz da causa, ao extinguir o processo, lamentou, na época, que não houvesse previsão legal para o Poder Público custear o exame.

Posteriormente, sobreveio uma lei prevendo o financiamento do exame de DNA, sendo proposta nova ação de investigação de paternidade. O juiz de primeiro grau saneou o processo transitado em julgado e reiniciou a investigação pleiteada. Entretanto, o Tribunal de Justiça acolheu recurso de agravo de instrumento interposto pela defesa do suposto pai, sob o argumento preliminar de que se tratava de coisa já julgada, e determinou a extinção do processo. É dessa decisão que o autor do processo e o Ministério Público do Distrito Federal e Territórios recorreram ao STF.

No julgamento desta quinta-feira (02), o ministro Joaquim Barbosa observou que, entrementes, o Tribunal de Justiça do DF já mudou sua orientação e já admitiu a reabertura de um processo semelhante de investigação de paternidade.

Repercussão geral

No início do julgamento, o Plenário do Supremo Tribunal Federal, por unanimidade, reconheceu a repercussão geral* do tema, porém restringindo sua abrangência a casos específicos de investigação de paternidade como este, sem generalizá-la.

Na discussão sobre o reconhecimento da repercussão geral, a Corte decidiu relativizar a tese da intangibilidade da coisa julgada, ao cotejar o disposto no artigo 5º, inciso XXXVI, da Constituição Federal, que prevê que a lei não poderá prejudicar a coisa julgada, com o direito à verdade real, isto é, o direito do filho de saber quem é seu pai.

Esse entendimento prevaleceu, também, entre a maioria dos ministros do STF, nos debates que se travaram em torno do assunto, à luz de diversos dispositivos constitucionais que refletem a inspiração da Constituição Federal (CF) nos princípios da dignidade da pessoa humana.

Entre tais dispositivos estão os artigos 1º, inciso III; 5º; 226, que trata da família, e 227. Este dispõe, em seu caput (cabeça), que é dever da família, da sociedade e do Estado dar assistência e proporcionar dignidade humana aos filhos. E, em seu parágrafo 6º, proíbe discriminação entre filhos havidos ou não do casamento.

Voto-vista

Ao trazer, hoje, ao Plenário o seu voto-vista, o ministro Luiz Fux acompanhou o voto do relator, pelo direito do jovem de pleitear novamente a realização de exame de DNA. Para isso, ele aplicou a técnica da ponderação de direitos, cotejando princípios constitucionais antagônicos, como os da intangibilidade da coisa julgada e, por outro lado, o da dignidade da pessoa humana, no caso presente, envolvendo o direito do jovem de saber quem é seu pai. Ele optou pela precedência deste último princípio, observando que ele é núcleo central da Constituição Federal (CF) de 1988.

Votos

Também acompanharam o voto condutor do relator, ministro Dias Toffoli, a ministra Cármen Lúcia Antunes Rocha e os ministros Ricardo Lewandowski, Joaquim Barbosa, Gilmar Mendes e Ayres Britto.

A ministra Cármen Lúcia entendeu que, neste caso, a decisão por falta de provas já sinaliza que não pode ser considerada imutável a coisa julgada – a decisão de primeiro grau. Ao defender o prosseguimento do processo de investigação de paternidade, ela lembrou que o Pacto de San José da Costa Rica prevê o direito do ser humano a conhecer sua história e suas origens. Entre o princípio da segurança jurídica e os princípios da dignidade da pessoa humana, ela optou por esta segunda.

Em seu voto, também acompanhando o do relator, o ministro Ricardo Lewandowski observou que o Estado não cumpriu sua obrigação de dar assistência judiciária e integral e gratuita ao menor, no primeiro processo representado por sua mãe. Por isso, cabe agora suprir esta lacuna.

Ele lembrou ademais que, na doutrina, já se fala hoje até do direito fundamental à informação genética, em discussão nos tribunais da Alemanha.

Acompanhando essa corrente, o ministro Ayres Britto observou que o direito à identidade genealógica “é superlativo” e se insere nos princípios da dignidade da pessoa humana, à qual também ele deu precedência. No mesmo sentido se pronunciou o ministro Gilmar Mendes, ao também defender o direito à identidade.

Divergência

O ministro Marco Aurélio e o presidente da Suprema Corte, ministro Cezar Peluso, votaram pelo desprovimento do recurso. “Há mais coragem em ser justo parecendo injusto, do que em ser injusto para salvaguardar as aparências de justiça”, disse o ministro Marco Aurélio, ao abrir a divergência.   Segundo ele, “o efeito prático desta decisão (de hoje) será nenhum, porque o demandado (suposto pai) não pode ser obrigado a fazer o exame de DNA”. Isso porque, segundo ele, a negativa de realizar o exame não levará à presunção absoluta de que é verdadeiramente o pai.

Segundo o ministro, a Lei 8.560/92, no seu artigo 2-A, decorrente da Lei 12.004/2009 (que regula a paternidade de filhos havidos fora do casamento), prevê que, na ação de paternidade, todos os meios de prova são legítimos. Ainda de acordo com o ministro, a negativa de realizar o exame gerará presunção de paternidade, mas também esta terá de ser apreciada no contexto probatório. E, em tal caso, há grande possibilidade de o resultado ser negativo.

Para ele, cabe aplicar a regra do artigo 468 do Código de Processo Civil, que torna a coisa julgada insuscetível de modificação, salvo casos que excetua. Entre eles, está a ação rescisória, possível quando proposta no prazo de até dois anos do trânsito em julgado da sentença. No caso hoje julgado, segundo ele, já transcorreram mais de dez anos. Então, a revisão não é possível.

Último a votar, também para desprover o recurso, o ministro Cezar Peluso disse que se sente à vontade ao contrariar a maioria porque foi por oito anos juiz de direito de família e atuou pelo dobro do tempo na Câmara de Direito Privado do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo (TJ-SP).

Entretanto, observou, neste caso “está em jogo um dos fundamentos da convivência civilizada e da vida digna”. Ao lembrar que se colocou a coisa julgada em confronto com outros princípios constitucionais, aos quais a maioria deu precedência, ele disse que “a coisa julgada é o princípio da certeza, a própria ética do direito”.  “O direito não está na verdade, mas na segurança”, disse ele, citando um jurista italiano. “Ninguém consegue viver sem segurança”, afirmou.

Ele ressaltou, neste contexto, que o direito à liberdade é um dos  princípios fundamentais consagrados na Constituição. Portanto, no entender dele, a se levar ao extremo a decisão de hoje, nenhuma sentença condenatória em direito penal, por exemplo, será definitiva, já que, por se tratar de um princípio fundamental dos mais importantes, ele sempre comportará recurso da condenação, mesmo que transitada em julgado.

“Incontáveis ações envolvem direitos fundamentais, que obedecem princípios consagrados na Constituição”, afirmou o ministro, lembrando que, mesmo assim, não se vem propondo a desconstituição das decisões nelas proferidas. Cezar Peluso lembrou que o autor do Recurso Extraordinário julgado hoje propôs várias ações e, nelas apresentou testemunhas, assim como o fez a parte contrária. E, em várias delas, desistiu. “Não lhe foi negado o direito de produzir provas. Elas, por si só, poderiam levar o juiz a decidir”, afirmou.

O ministro Cezar Peluso também considerou que a decisão teria pouco efeito prático, já que hoje o Estado é obrigado a custear o exame de DNA, e nenhum juiz deixará de determinar a sua realização. “Por tudo isso, eu tenho respeito quase absoluto à coisa julgada”, conclui o ministro Cezar Peluso, lembrando que, no direito romano, “res iudicata” – coisa julgada – era uma instituição jurídica vital, de coisa julgada que não podia ser revista. “E, sem isso, é impossível viver com segurança”, afirmou.

Segundo o ministro, o suposto pai do autor do RE também tem direito à dignidade da pessoa humana. E esse benefício não lhe está sendo concedido, já que vem sendo perseguido há 29 anos por ações de investigação de paternidade, que podem ter repercussão profunda em sua vida privada.

Leia a íntegra do voto do relator, ministro Dias Toffoli

Publicado originariamente no site do STF.